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O despertador rompeu às 5 horas em uma manhã incomum e
excessivamente alva. Daniel, sentiu uma névoa tímida entrar pela janela
acompanhada de um vento frio. Arrumou-se rapidamente, tomando um café requentado
com uma broa que sobrara do dia anterior. Saiu para o trabalho com o mau humor
habitual da velha manhã, percorrendo a extensa rua para pegar o ônibus da
firma.
Entretanto, algo estava diferente. Uma névoa densa era a
protagonista da manhã gélida daquela quinta-feira fatídica. Não tinha como
enxergar muita coisa a não ser um pedaço de chão que surgia em seus passos
lentos e cautelosos. Já se afastara cerca de 100 metros do prédio e se sentia
um estrangeiro na própria rua. Mantinha o caminhar vagaroso imaginando a
impossibilidade da chegada do ônibus dentro daquela vasta brancura que imperava
no nascer do dia.
- Vai passar logo,
pensou.
Manteve o passo em ritmo lento até sentir o sapato pisando
em uma poça com um líquido viscoso e escuro. Parou e se aproximou do líquido.
Percebeu que olhando de mais perto a cor vermelha se revelava. Era sangue. Será
de algum animal morto?
Andou mais um pouco e viu uma mão feminina e jovial, com uma
pulseira de ouro e uma aliança de compromisso prateada, típica dos namoros
adolescentes. Foi o primeiro contato com o corpo que se revelava brutalmente
ferido. Era uma jovem que jazia com uma expressão de tranquilidade, mas com
olhos abertos num contraste que transmitia pavor. Vítima de atropelamento? Não.
Um corte profundo na jugular revelava o homicídio. Tocou o sangue e sentiu que
o líquido ainda estava quente. O assassino poderia estar próximo.
O que fazer? A névoa era implacável. Ouviu passos. Começou a
suar. Para onde correr? Em qual direção poderia se afastar do assassino?
Permaneceu imóvel, mas o barulho dos passos só aumentava. Mais alto, mais alto,
agora o indivíduo já estava correndo. Ele
me vê?! Pensou.
Começou a correr num frenesi alucinante de volta para o
apartamento. Tudo era branco. Uma cortina de fumaça o impedia de enxergar e
perdeu o sentido de direção. Adentrou uma pequena mata próxima ao prédio
repleta de desníveis perigosos. Os passos de seu oponente permaneciam. Parecia
uma marcha militar. Só ouvia passos. Corria e trombava com galhos e uma árvore
seca, que só enxergava do alto do prédio. Nunca tão próximo. Corria e se
machucava naquela área de preservação ambiental que agora lhe servia como
refúgio e incerteza.
Escondeu-se atrás da árvore aguardando que a névoa se
dissipasse. Tentou fazer o mais absoluto silêncio, mas sua respiração ofegante
o acusava. Os passos cessaram. O que tramava seu caçador? Ele ao menos era a
caça? Aos poucos sua respiração normalizou e apenas o vento era sentido, os
galhos se mexiam timidamente, pássaros voavam e Daniel podia sentir o bater das
asas.
Olhou ao seu redor e sentiu-se cego. Tudo que enxergava era
um branco intenso como se estivesse dentro de uma nuvem. O assassino não
poderia encontrá-lo. A cortina nebulosa também se manifestava para o outro. A
sensação de estar a poucos metros de um assassino e sua vítima o aterrorizava.
Permaneceu meia hora paralisado, sem dar um pio e observando a natureza. Os 30
minutos mais longos de sua vida e a névoa resistia. Decidiu agir. Pegou uma
pedra e a fez de arma. Queria impor um obstáculo ao assassino.
Caminhou lentamente para a entrada do prédio. Cada passo era
calculado. O mínimo de barulho era preciso. Se pudesse rastejava naquele
momento. Saiu completamente da mata e já estava no asfalto. Segurou firme a
pedra e se sentisse a presença de qualquer um lançaria o objeto em autodefesa.
Conseguiu ver a fachada e o portão de entrada. Estava
próximo da salvação. Pegou a chave e não resistiu nos metros finais. Correu
muito, chegou no portão, inseriu a chave forçando a abertura. Um clique e
abriu. Se jogou para dentro do prédio após bater o portão com toda a força.
Estava salvo. Aliviado. Vivo. Levantou-se tremendo de
adrenalina e foi para o elevador. Apertou o 7º e subiu. Pensava na dor da
morte. Qual a sensação de uma faca entrando nas estranhas e dilacerando seus
órgãos? Atingindo os ossos e músculos, fazendo uma bagunça interna e sangrenta
no corpo. E a dor? Seria breve ou demorada?
Chegou no apartamento. Abriu a porta e entrou. Percebeu uma
velha e horripilante companhia. A névoa também estava lá a sua espera. Entrara
timidamente pela janela e agora estava por toda parte. Daniel tentou sair para
o hall, mas a porta não se abriu. Tudo era branco novamente, até no seu
refúgio. Foi até o sofá e sentiu que a névoa queria sua alma. Sentou-se
confortavelmente e sentiu uma dor dilacerante que nunca havia sentido e logo o
fim. Morreu com uma expressão de tranquilidade, mas com olhos abertos num
contraste que transmitia pavor.
FiM.