quinta-feira, 6 de abril de 2017

A última taça


Arnaldo morreu. 
Repentinamente, enquanto degustava seu vinho de quarta-feira.  
Um ataque fulminante no coração o levou. 
Na sua sala, vestido com seu pijama velho e desbotado. 

A morte lhe passou a perna. 
O vaidoso Arnaldo nem ao menos se vestiu apropriadamente. 
Não teve chance. 
Se tivesse, vestiria sua melhor camisa para ocasião, pentearia os cabelos,
passaria perfume. 

A morte não pediu licença. 
Entrou e levou Arnaldo sem cerimônia. 
Esticado no chão da sala, torto e com o rosto no chão. 
Pernas desajustadas, foi assim encontrado por Marta, sua empregada. 
Sem vida, olhos esbugalhados. 

Cecília o viu logo depois. Ainda daquele jeito. 
Não o reconheceu. Era outro homem, não o seu irmão. 
Um trapo, jogado na sala de Arnaldo. 

Após ser recolhido, somente sobrou a taça. 
Intacta. 
Com aquele vinho Chinon pela metade. Era mesmo seu irmão. 
E ali ficou alguns dias, para Cecília alimentar suas lembranças. 

Do irmão solteiro que lhe dava conselhos e a ouvia nas noites de tristeza. 
Um souvenir do boêmio da Lapa. 
Manteve a taça no mesmo local, com o último gole de Arnaldo. 
O último prazer. A última taça. 
A morte não pede licença. 
Leva sem cerimônia. 

Stefan



2 comentários:

  1. E a morte é assim mesmo... Quantas pessoas morrem sem saber o final de uma série que acompanhava há anos? Quantos morrem sem chegar à casa de seus amores? A morte nos pega no meio da vida...

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  2. É verdade! Espero morrer somente depois de ver todos os episódios das minhas séries que são muitas. Do contrário seria muito frustrante. O bom da vida é nunca saber quando a morte vai surgir.

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